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ANTONHOLI, Carlos Alberto

Pude assistir uma encenação, transcrita para o palco, por meio do recurso da narratividade, do conto ‘A Ilha Desconhecida’, de José Saramago , por um grupo de teatro paulistano. No conto, um homem vai pedir ao rei um barco para iniciar sua busca pela Ilha Desconhecida, apesar de ‘ilha por conhecer é coisa que se acabou há muito tempo’. A ‘ilha desconhecida’, para José Saramago, é o pensamento em um espaço e tempo distantes, que acolhe e apazigua os desejos, representa a imposição da imaginação e criatividade humanas sobre o conformismo com as verdades estabelecidas e a banalidade. Esta é a mensagem do autor em seu conto, que apresenta por meio do Grupo Pé na Porta a transposição para a cena, o que não deve ser digno de estranhamento já que no teatro uma narrativa pode ser levada ao palco por meio de signos compostos de vários elementos como: o gestual dos atores, as várias formas de reproduzir sons, figurinos, objetos cênicos, luz e até mesmo a palavra em si, matéria própria da arte literária mais que da dramática. A forma literária pressupõe a subjetividade, porém, ao recorrer aos signos para apresentar a narrativa no palco, o grupo consegue explicitar o subjetivo do conto que fica bem resolvido nas cenas, como na referência às portas do castelo, à busca pelo desconhecido, ao céu e ao mar, ora por meio de gestos, ora por meio de recursos técnicos como a música e a iluminação. Desta forma se faz deixar claro o discurso do autor. Outros recursos favorecem o desenvolvimento da narratividade no palco, como a ausência de cenários e a utilização de adereços como bastões, guarda-chuvas, baldes, que servem para representar outros objetos ou ambientes.
O palco é delimitado por um espaço próprio para a representação, ao centro, desprovido de qualquer recurso, além de uma área externa onde figuram os músicos e os atores que não participam da cena no momento da representação. Para sugerir e enfatizar ambientes e situações, os atores confiam na imaginação da platéia que fica mais apurada pela narrativa e utilização dos objetos simbólicos, que conforme o contexto podem se transformar em cetros, janelas, caravelas, etc. Esta simplicidade na utilização dos recursos enfatiza a cumplicidade dos atores-narradores que estão em cena trocando de personagem ou fundindo a outros para gerar uma dinâmica impar ao texto narrado, geralmente em terceira pessoa.
O inverso da transposição literária para o palco, ou seja, a interferência do diálogo, próprio do drama, também está presente no conto de Saramago. Em alguns momentos é perceptível quando o texto sugere a retirada dos atores do plano da narração para colocar os mesmos no plano dramático:

ATOR 1 – disse o capitão do porto:
ATOR 2 – Podes me dizer para que quer um barco?
ATOR 3 – Para ir à Ilha Desconhecida.
ATOR 2 – Já não há mais ilhas desconhecidas.
ATOR 3 – Assim me disse o rei.

Quanto ao desempenho do grupo, podemos dizer que há um certo direcionamento ao público por parte dos atores uma relação de ‘olho no olho’ , mas com uma certa dose de distanciamento, devido a cena estar restrita ao espaço cênico proposto, ainda preso nas quatro paredes.
Porém, já no programa da peça, o grupo propõe apresentar o conto como tal, na forma da transposição literária direta para o palco o que faz com que um dos principais elementos da peça seja a interatividade entre os atores que supera a deficiência na relação com o público.
Outro elemento é a mistura de linguagem que passa pela música popular (interpretações ao vivo do repertório do grupo Secos & Molhados e do Lenine), a pantomima, a interpretação dramática e os elementos literários próprios do conto. A experiência dessa transposição desafia o espectador a decifrar códigos presentes na encenação. Cada um destes elementos participa ativamente na apresentação da história e cabe somente ao espectador por meio do raciocínio cognitivo interpretar este conglomerado de signos, que se sobrepõem a cada momento em cena.
O texto de Saramago apresenta discursos longos em português nativo o que torna a apreensão mais complexa e a agilidade com que o grupo está preocupado em levar ao palco o torna incompreensível ao espectador mais desatento. Este fator deve ser levado em consideração, principalmente por se tratar de uma montagem direcionada ao público infanto-juvenil. Este jogo com as linguagens propõe ao espectador que elabore uma interpretação própria destes diversos elementos lingüísticos apresentados e este fator o impulsiona ao exercício de ser tomado por esta linguagem apropriando-se dela.